Aspectos sensíveis de um Programa de Integridade (Compliance) nas Cooperativas

abr 13, 2021

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O cooperativismo surgiu no contexto da Revolução Industrial. Em 1844, durante a constituição da 1ª cooperativa formal, em Rochdale, Inglaterra, os 28 participantes pioneiros estabeleceram alguns princípios do cooperativismo que são observados até os dias atuais.

Em 1995, durante a realização do Congresso da Aliança Cooperativa Internacional (ACI), em Manchester, também na Inglaterra, foi feita a redação dos Princípios dos Pioneiros de Rochdale, que até os dias atuais são imperativos, tratando-se do cooperativismo. São eles:

(i) Livre e aberta adesão dos sócios – As cooperativas são organizações abertas a todas as pessoas (físicas ou jurídicas), sendo vedada qualquer discriminação social, política, racial, religiosa ou de gênero;

(ii) Gestão e controle democrático dos sócios – São necessariamente democráticas, controladas por seus associados. Quando esses assumem como representantes eleitos, respondem pela associação;

(iii) Participação econômica do sócio – Os associados contribuem equitativamente e controlam democraticamente o capital de sua cooperativa. As sobras são destinadas, em muitos casos, ao desenvolvimento da própria cooperativa (formação de reserva); beneficiando os associados na proporção de suas transações;

(iv) Autonomia e independência – As cooperativas são autônomas, organização de autoajuda e controladas por seus membros, mesmo nas relações com outras cooperativas, com o Estado ou quando obtém capital de fontes externas;

(v) Educação, treinamento e informação – As cooperativas sempre visam a contribuição efetiva ao desenvolvimento da cooperativa e a formação de seus cooperados, representantes eleitos e administradores empregados;

(vi) Parceria entre as cooperativas – As cooperativas devem fortalecer o movimento cooperativista trabalhando juntas por meio de estruturas locais, regionais, nacionais e internacionais;

(vii) Interesse pela comunidade – A atuação das cooperativas visa o desenvolvimento sustentável de suas comunidades por meio de políticas aprovadas por seus associados.

Para a Lei nº. 5.764/71, “As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas à falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades…” (art. 4) .

Além da Lei Especial do Cooperativismo, a 5.764/71, outros diplomas legais discorrem sobre as cooperativas É o que vemos na Constituição Federal, em seus artigos 5º, XVIII; art. 146, inciso III, alínea “c”; e art. 174, § 2 e no Código Civil, em seus artigos 1.093 a 1.096.

Na maioria dos Estados da federação há uma lei específica de cooperativismo. A opção da Constituição Federal foi de promover e amparar a criação de cooperativas, com a expressa vedação de interferência estatal em seu funcionamento, alçando-a a direito fundamental.

A lógica dessa proteção é justamente que se vislumbra possível alcançar a dignidade humana; o trabalho; a redução das desigualdades regionais e sociais com o cooperativismo.

As cooperativas, frisa-se, têm finalidade essencialmente econômica, e objetivo precípuo de viabilizar o negócio produtivo de seus associados junto ao mercado. Desse modo, sua gestão deve ser marcada pela legalidade, transparência e democracia.

Com efeito, nas cooperativas os associados são os donos do patrimônio e os beneficiários diretos do ganho que o processo por eles organizado propiciará. As sobras, que porventura houver das relações comerciais estabelecidas pela cooperativa, podem, por decisão de assembléia geral, ser distribuídas entre os próprios cooperados, sem contar o repasse dos valores relacionados ao trabalho prestado pelos cooperados ou da venda dos produtos por eles entregues na cooperativa.

Nesse sentido, o programa de compliance nas cooperativas, para além de garantir o cumprimento da legislação aplicável, deve assegurar a efetiva democracia e transparência dos atos de gestão, de qualquer natureza, em maior ou menor grau. Toda a principiologia do cooperativismo impõe-se seja garantida, efetivamente, no contexto do Programa de Integridade das cooperativas. Assim como os esparsos diplomas legais, que devam ser abarcados num programa eficazmente implementado no âmbito da cooperativa.

Destacam-se alguns aspectos legais que devem ser enfrentados num programa de integridade afeto ao cooperativismo:

(i) A partir da análise de seu Estatuto, garantir o respeito do ato constitutivo e eleição da Diretoria, da Assembleia, e seus Conselhos;

(ii) Remuneração do conselho, executivos, diretores e empregados em geral;

(iii) Procedimento de contratação de executivos ou gerentes no mercado;

(iv) Quórum para deliberação e direito de cada cooperado votar;

(v) Mecanismos de distribuição dos resultados;

(vi) Constituição dos fundos de reserva obrigatórios;

(vii) Garantir que todos os benefícios tributários e trabalhistas estejam sendo auferidos;

(viii) Garantir que a forma de organização do trabalho esteja, de fato, possibilitando a maior competitividade no mercado;

(ix) Responsabilidade dos conselheiros e administradores e procedimento para sua apuração;

(x) Procedimento para aquisição de imóveis, máquinas, equipamentos, veículos, para contrair empréstimos e financiamentos, dentre outros;

(xi) Democracia na deliberação sobre distribuição de sobras e do rateio das perdas.

Exemplifica-se alguns aspectos que se considera importante de constarem em um eficiente programa, todavia, muitos outros devam ser tratados, tais como a gestão dos associados que prestam serviços na cooperativa, dos empregados, a definição de um procedimento administrativo disciplinar, o respeito às questões financeiras, trabalhistas, ambientais, dentre outras. E, principalmente: nesta cooperativa todas as ações e condutas são pautadas na democracia, legalidade e publicidade? É preciso que uma estrutura de compliance das cooperativas considere as mais variadas áreas – jurídica, gestão, recursos humanos, institucional, operacional – em conformidade com a complexa normatividade, princípios, finalidade e valores, garantindo-se a integridade, democracia e compartilhamento na tomada de decisões e condutas.

Acesso nosso guia legal: COMPLIANCE NO COOPERATIVISMO – Guia Legal

Letícia Lacerda de Castro

Doutoranda e mestra em Direito. Conselheira do CARF.

 

 

 

 

 

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